Ciência e Vida

Pesquisadora reforça importância dos testes genéticos no entendimento das causas do autismo

​No Mês de Conscientização do Autismo, Dra. Andréa Laurato Sertié explica que comprovação genética do transtorno auxilia nas condutas médicas e pode tranquilizar a família do paciente.

A aceitação da família é um dos primeiros grandes desafios para o enfrentamento do autismo, transtorno de desenvolvimento que prejudica as capacidades de comunicação e interação humana. Segundo estimativas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, uma a cada 110 pessoas tem transtorno do espectro autista (TEA), o que, no Brasil, pode representar cerca de 2 milhões de casos.

Há quase dez anos estudando o TEA, a bióloga e pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Andréa Laurato Sertié acredita que os profissionais da saúde com treinamento em genética humana têm papel fundamental nesse processo de orientação da família para o planejamento familiar e para a aceitação do autismo.

Neste mês de Conscientização do Autismo, Dra. Andréa defende a realização de testes moleculares como recurso extra para o diagnóstico mais preciso e a identificação das causas da doença, assim como para prestar aconselhamento genético às famílias dos pacientes. Leia a seguir a entrevista:

Como surgiu seu interesse por pesquisar o TEA?

Andréa: Sempre tive curiosidade em saber mais sobre as doenças que acometem o neurodesenvolvimento. Ainda desconhecemos as causas de muitas delas, e foi essa falta de conhecimento que me impulsionou a focar no tema, sendo que desde 2009 passei a concentrar minhas pesquisas em autismo.​

Dentro da sua linha de pesquisa, destacam-se os aspectos moleculares relacionados ao autismo. Qual tem sido o objetivo principal dos seus estudos?

Andréa: Embora as causas do autismo sejam desconhecidas na maior parte dos pacientes, hoje sabemos que existem aproximadamente cem genes que, quando alterados, estão fortemente associadas à causa do autismo. Isso significa que quando encontramos esses genes anormais nas pessoas com TEA, podemos dizer que eles foram os responsáveis pelo autismo. No entanto, existem muitas outras mutações genéticas que achamos que também possam estar relacionadas ao autismo, mas não temos certeza. Meu trabalho atual tem sido principalmente estudar, a partir de experimentos dentro do laboratório, a funcionalidade desses genes suspeitos.

De que forma esses aspectos genéticos relacionados ao autismo vêm sendo utilizados pela medicina?

Andréa: Principalmente no processo de identificação das causas do autismo, no entendimento de sua patofisiologia e, também, no aconselhamento genético para o planejando familiar. Na década de 1970, praticamente o único exame genético usado para auxiliar na identificação das causas do autismo era o cariótipo, que detecta anormalidades cromossômicas grosseiras (maiores que cinco a dez megabases de DNA), as quais estão presentes em apenas cerca de 3% dos pacientes. Outro teste importante que se tornou possível a partir da década de 1990 e que é recomendado a todo menino com autismo e atraso do neurodesenvolvimento é o teste para a síndrome do X frágil, uma doença causada por mutação em um único gene localizado no cromossomo X, o FMR1, responsável por cerca de 5% dos casos de autismo.

Com o avanço da tecnologia, outros exames também passaram a ganhar destaque, como a análise genômica por microarray (também conhecido como array-CGH), capaz de identificar alterações submicroscópicas no número de cópias de segmentos do genoma, as chamadas CNVs (do inglês copy number variations), tipicamente maiores que mil pares de bases em diversas regiões cromossômicas simultaneamente e que se tornou mais acessível a partir de 2005. É possível identificar CNVs patogênicas, que estão contribuindo para o autismo, em cerca de 10% a 15% dos pacientes. Mais recentemente, nos últimos oito anos principalmente, outro teste genético que tem sido crescentemente utilizado é o sequenciamento completo do exoma, ou seja, de toda a região dos genes que é responsável por fazer as proteínas. Esse teste, capaz de esclarecer as prováveis causas do autismo em aproximadamente 10% dos casos, é geralmente difícil de interpretar e deve ser pedido por um geneticista ou profissional da saúde com treinamento em genética humana.

E qual a importância desses testes no diagnóstico do TEA?

Andréa: Quando o paciente chega ao consultório, o mais importante, primeiramente, é buscar um diagnóstico clínico e realizar um levantamento de sua história familiar. Esse tipo de análise ainda é imprescindível. Os exames genéticos têm por objetivo auxiliar, completar ou reforçar o diagnóstico clínico. Como comentei, eles são capazes de identificar alterações genéticas potencialmente causais do autismo em cerca de 25% dos casos. Apesar de os outros cerca de 75% ainda não terem suas causas geneticamente conhecidas, considero muito importante a realização desses exames. E nesses 25% de casos, em que o autismo é relacionado a fatores genéticos conhecidos, é possível prestar um melhor aconselhamento para a família e até tranquilizá-la. Realizam-se exames nos pais e verifica-se neles se há também a presença ou não das mutações genéticas observadas no filho com autismo. Se os pais não tiverem essa mutação, o risco de recorrência de autismo em um próximo filho é baixo, de cerca de 4% nos meninos e 7% nas meninas. Mas se os pais tiverem essa mutação, a história muda completamente. Se for um padrão de herança autossômica dominante ou ligado ao cromossomo X, por exemplo, um próximo filho deles pode chegar a ter até 50% de risco de ter autismo.

Em relação a tranquilizar a família, em qual sentido você está se referindo?

Andréa: É que o autismo ainda hoje, infelizmente, carrega muito estigma. Vários pais se culpam pela presença dessa doença em seus filhos. Acham que eles foram os culpados, pois relacionam o autismo a algum problema específico que a mãe pode ter tido na gravidez, por algum alimento ou medicamento que tomou. Saber que o TEA teve uma causa genética acaba acalmando muitos pais, além de ajudar a família no planejamento de novos filhos, e os profissionais de saúde na condução do tratamento.

Como a associação do autismo a fatores genéticos pode ajudar os médicos e outros profissionais da saúde?

Andréa: Embora a identificação desses fatores genéticos não tenha relação direta no tratamento específico do autismo, ela ajuda a dar uma diretriz mais geral para os cuidados dos pacientes com TEA. Cerca de 5% das pessoas com autismo e macrocefalia, por exemplo, têm mutações em um gene chamado PTEN. É importante saber se o paciente tem ou não alteração nesse gene porque o PTEN está associado também a um risco acrescido para câncer. Às vezes, uma criança pode ter uma síndrome cujo autismo esteja no quadro clínico, mas essa síndrome pode ser muito mais grave. Em alguns casos de doenças metabólicas, por exemplo, o primeiro diagnóstico pode ser de autismo. Quando o médico consegue fazer um diagnóstico mais completo, identificando, além do autismo, outras síndromes, as condições de tratamento e acompanhamento assistencial podem ser bem melhores.

Com o avanço da pesquisa genética no diagnóstico do autismo, qual o maior desafio atualmente para os profissionais que atuam na área?

Andréa: Hoje, muitos médicos já pedem testes de análise genômica, como o teste do exoma, para auxiliar no diagnóstico e na identificação das causas do TEA. O grande desafio, porém, é saber o que fazer com os resultados, pois a probabilidade de encontrar um resultado conclusivo com esses testes é pequena, sendo que ainda não sabemos interpretar a maioria das variantes genéticas. Assim, as famílias devem ser informadas das vantagens e desvantagens da realização de cada teste.

A equipe de bioinformatas, biólogos e médicos geneticistas do laboratório clínico do Einstein desenvolveu uma plataforma em nuvem para automação das análises genéticas, o VarStation. Como ele pode ajudar nesse processo de diagnóstico do autismo?

Andréa: VarStation é uma plataforma eletrônica que permite analisar o sequenciamento de exoma e genoma e de genes específicos, identificando e interpretando as variantes genéticas. Ao utilizar essa plataforma, os profissionais de saúde conseguem interpretar mais facilmente os resultados do sequenciamento, incluindo aqueles relacionados ao autismo. E o sistema também transmite um laudo depois, o que pode ajudar no diagnóstico e na identificação das causas da doença.

Neste Mês de Conscientização do Autismo, que mensagem você gostaria de transmitir aos médicos e outros profissionais da saúde que participam dos cuidados dessa doença?

Andrea: Precisamos olhar mais para as famílias com pessoas diagnosticadas com autismo e nos perguntar: Como podemos ajudá-las e acolhê-las melhor? Como o diagnóstico genético bem-feito e direcionado pode ser usado para informar essas famílias? É importante que esses profissionais saibam as vantagens e limitações do diagnóstico genético e como ele pode auxiliar no cuidado do paciente e de sua família, envolvendo desde ações para informar e tranquilizar essas famílias até tratamentos específicos para doenças relacionadas.

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