O papel da Coordenação do Cuidado na modernização do Sistema de Saúde
Esse modelo considera o cuidado do paciente em todos os pontos de sua jornada pelo sistema de saúde gerando melhores resultados e redução de custos
O conceito de Coordenação do Cuidado pode ser compreendido de duas formas. A primeira, que é mais conhecida, diz respeito à colaboração horizontal entre os profissionais responsáveis pela atenção direta ao paciente em um episódio de cuidado. Essa colaboração pressupõe planejamento da assistência, troca de informações e estabelecimento de planos terapêuticos adequados às necessidades e preferências dos usuários.
“A assistência coordenada dessa forma ocorre dentro de um mesmo nível de atenção à saúde, porém gera maior valor, qualidade e continuidade do cuidado”, explica a Médica especializada em Administração em Saúde, e docente das disciplinas de Gestão e Liderança do Ensino Einstein, Dra. Dannielle Fernandes Godoi.
Já o segundo entendimento refere-se à integração do cuidado em saúde em nível macro, ou seja, da rede de saúde por completo. Essa integração é desejável tanto na saúde suplementar como dentro da saúde pública e, ainda, na intersecção entre essas duas dimensões do sistema de saúde no país.
Segundo esse entendimento, a colaboração se dá de uma forma mais vertical, e implica no estabelecimento de relações entre serviços e profissionais nos diferentes níveis de atenção à saúde ao longo da jornada do paciente pelo sistema. Seu objetivo é facilitar a prestação do cuidado contínuo e integral, em local e tempo oportunos às necessidades e preferências dos assistidos.
Segundo a especialista, “a coordenação do cuidado é um dos atributos de base da atenção primária à saúde, mas ela também pode ocorrer em outros pontos do sistema de saúde”. Nesse sentido, o sistema de saúde público no país (SUS) tem uma série de diretrizes que facilitam esse processo, o que não ocorre ainda na saúde suplementar.
Apesar disso, diz a especialista, a discussão sobre a necessidade da coordenação e gestão integrada do cuidado tem avançado bastante, incluindo o início da efetivação em algumas operadoras de saúde no país.
A Médica ainda afirma que “esse movimento se dá justamente pela evidência de melhores resultados em saúde, melhor satisfação e experiência do paciente com os serviços de saúde, assim como pela diminuição de custos, o que demonstra um caminho a contribuir com a sustentabilidade do sistema de saúde de modo global”.
Apesar de as diretrizes para a coordenação do cuidado serem desejáveis ao sistema de saúde há décadas, na prática ainda existem inúmeros desafios para o seu estabelecimento conforme relata o Coordenador do curso de Graduação em Administração do Ensino Einstein, João Paulo Bittencourt.
Ele afirma que “esses desafios passam sobretudo pela falta de sistemas de informação que agreguem dados dos usuários dos sistemas público e privado, a fragilidade da integração dos sistemas já existentes, a falta de protocolos de fluxos assistenciais e, ainda, a falta da figura de equipes coordenadoras do cuidado, tanto na atenção primária à saúde, onde o conceito é mais forte, como em outros níveis de atenção do sistema.”
Toda forma de comunicação vale a pena
Um dos primeiros desafios a ser enfrentado é justamente a implantação de um sistema informacional com a padronização dos dados, o qual precisa ‘conversar’ com todas as esferas da saúde em nível nacional. É o caso dos prontuários eletrônicos, por exemplo, que garantem uma comunicação unificada entre todos os que acessam seus dados. “Isso, se implementado na rede, já colabora muito para que as equipes dentro de uma instituição possam conhecer os procedimentos pelos quais seus pacientes têm passado”, defende ele.
Ainda hoje muitos prontuários, tanto no sistema público quanto no suplementar, são usados no formato analógico, não somente dificultando o compartilhamento de informações como também representando riscos de perda de tais dados.
Segundo João Paulo, uma outra solução, seria a adoção de sistemas que permitem a interoperabilidade dos dados, porém isso esbarra nos diferentes desenvolvedores e contratos realizados dentro do setor público. “Dentro de uma operadora de saúde esse conceito também pode ser de grande ajuda, mas o ideal é a integração de todos os dados e em larga escala”.
O Brasil tem um número gigantesco de serviços em saúde, resultando em incontáveis atuações em todas as esferas englobadas pela área. Por isso, pelo menos um conjunto mínimo de dados disponíveis dentro de um mesmo sistema já colaboraria com a comunicação sobre o caso de cada pessoa assistida. “Na minha percepção, o ideal é que todas as informações deveriam ser compartilhadas também com o paciente por meio do acesso à rede de dados”, defende ele.
Um outro ponto positivo do acesso e a troca de informações sobre a jornada do paciente dentro dos serviços de saúde está na percepção de continuidade dos cuidados na perspectiva do usuário. Essa percepção pode aumentar o seu engajamento e participação nas decisões sobre o seu próprio cuidado. “Eu acredito que se um paciente tiver conhecimento de todo o seu estado de forma bem transparente, há grande possibilidade de ele investir mais atenção em sua saúde”, aposta João Paulo.
Mais um ponto a ser debatido para ele é a confiança entre os parceiros, de laboratórios a hospitais especializados. “É imprescindível transpor as barreiras que inviabilizam a troca de informações. Isso transcende os setores operacionais e técnicos e é fundamental para que haja um entendimento absoluto sobre a situação do paciente, além da gestão de custos que seu tratamento vai acarretar”.
Para o Coordenador da Graduação, todas essas necessidades são urgentes para a formação de um bom gestor em saúde que, enxergando integralmente os benefícios, a operacionalização e os desafios, pode criar uma Coordenação do Cuidado colaborativa e apropriada para a instituição da qual será colaborador. “Esse assunto precisa ser abordado em cursos e treinamentos de forma transversal”.
Em sua visão, o setor da saúde atualmente depara-se com grandes obstáculos e demanda cada vez mais líderes que considerem todos esses aspectos, principalmente diante da incumbência de gerir uma criação e implementação de um projeto que vise a sustentabilidade do sistema. “Acredito que a chave para que a Coordenação do Cuidado em sua forma eficiente e robusta seja uma realidade no Brasil é o investimento na formação de seu gestor desde a Graduação até as diferentes especializações”, conclui.
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