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Dentista Hospitalar: como é a atuação para além do consultório?

​Avaliar a cavidade oral do paciente e verificar as condições que podem agravar o seu estado de saúde dentro do hospital fazem parte das atribuições da Odontologia Hospitalar

Você vai com frequência ao Dentista? Sabia que é possível encontrar esse profissional trabalhando fora do tradicional consultório? Sim, o Cirurgião-Dentista também tem atuado em Hospitais, exercendo suas funções na Odontologia Hospitalar. Mas o que é isso?

A Odontologia Hospitalar, como área de atuação do Cirurgião-Dentista, foi oficializada no Brasil em novembro de 2015 pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), por meio da Resolução de número 162. “Esse reconhecimento é fundamental para que se possa cuidar do paciente de forma sistêmica”, explica a Coordenadora da Pós-graduação em Odontologia Hospitalar do Ensino Einstein e Cirurgiã-Dentista, Dra. Letícia Mello Bezinelli.

Para que esse profissional exerça suas funções atendendo pacientes dentro de um hospital, é necessário obter uma habilitação específica por meio de uma Pós-graduação na área, conforme exigência do CFO. “O Dentista Hospitalar tem de ter um entendimento sobre as doenças e terapias médicas para compreender como a cavidade oral impacta em determinados tratamentos”, explica a Cirurgiã-Dentista, responsável pelo serviço de Odontologia Hospitalar do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), Dra. Fernanda de Paula Eduardo.

Apesar de haver essa especialização, é importante que a Graduação na área tenha em sua grade obrigatória disciplinas voltadas à Odontologia Hospitalar, estágio dentro do hospital e vivência no sistema de saúde tanto suplementar quanto público. “Essa experiência é muito importante para o aluno, pois pode levá-lo a refletir sobre a amplitude de sua futura carreira, considerando áreas de atuação que ultrapassam as fronteiras dos espaços tradicionais”, adianta a Dra. Letícia.

Conforme as especialistas, um dos grandes papéis do Dentista Hospitalar é minimizar ou eliminar o risco de infecção. Para isso, é necessário realizar avaliações desde o início da admissão do paciente no hospital, seguindo com as discussões entre os Médicos e equipes, para então dar prosseguimento às condutas e protocolos que devem ser associados ao atendimento odontológico.

No âmbito hospitalar, tratando de doenças graves ou crônicas, frente a um paciente comprometido sistemicamente, o risco de infecção é muito maior do que em pacientes saudáveis, seja devido às terapias indicadas, seja pelo fato de o sistema imunológico estar comprometido.

Outro aspecto é o fato de muitos tratamentos gerarem efeitos colaterais diretos em cavidade oral. “Sempre avaliamos se a situação bucal do paciente pode agravar a sua doença, analisando o tratamento ao qual será submetido. Assim, instituímos medidas profiláticas e terapêuticas evitando complicações importantes, conforme cada caso”, revela a Dra. Letícia.

Tratamentos Intensivos

No Einstein, os pacientes que fazem quimioterapia ou radioterapia – principalmente nas regiões de cabeça e pescoço –, assim como os que serão submetidos a transplante de medula óssea, têm na equipe multiprofissional que os atende pelo menos um Dentista Hospitalar preparado nesses contextos para agir em diferentes momentos do tratamento.

Esses Dentistas atuam em condutas de prevenção de complicações na cavidade oral, cuidam dos efeitos imediatos causados pela quimioterapia ou radioterapia e removem os focos de infecção, para que o paciente inicie ou continue os procedimentos com mais segurança e eficácia.

“Aos principais efeitos colaterais que o paciente pode apresentar, incorporamos a fotobiomodulação (laser em baixa e alta intensidades) para cuidar de alterações em cavidade oral, utilizada também na prevenção e no pós-tratamento de qualquer patologia que a pessoa possa apresentar”, explica a Dra. Fernanda.

Outras tecnologias como o scanner intraoral que digitaliza a cavidade oral e copia as estruturas anatômicas, de forma a gerar um modelo que culmine em uma placa bucal – para pacientes com impossibilidade de realizar a tradicional moldagem – e a radiografia digital móvel permitem que diagnósticos sejam realizados com rapidez e qualidade, tanto na UTI quanto em leitos.

A teleodonto também colabora com atendimentos a pacientes de outros estados do Brasil, impedidos de se deslocar devido à pandemia ou outras situações, possibilitando a realização de consultas, prescrição de medicamentos e monitoria a distância.

Centro de Oncologia e Hematologia Einstein

No Centro de Oncologia e Hematologia Einstein Família Dayan-Daycoval, o protocolo diário é seguido à risca. Inicialmente acontece uma consulta com o Dentista Hospitalar, que investiga focos de infecção, cáries, doença periodontal e outras enfermidades orais que possam afetar o curso do tratamento.

Depois dessa etapa, seguindo a literatura, são estratificados os grupos de riscos para na sequência serem instituídas as medidas preventivas com o intuito de minimizar ou eliminar os possíveis efeitos colaterais.

Departamento de pacientes graves

O Departamento de Pacientes Graves do Einstein engloba as Unidades de Terapia Intensiva e Semi-Intensiva (UTI e Semi-UTI). Nesses ambientes, há também uma rotina de estratificação e procedimentos diários. “Todos os pacientes intubados são avaliados obrigatoriamente pelo Dentista, além dos diagnosticados com pneumonia”, ressalta a Dra. Letícia.

De acordo com ela, as principais preocupações nesses casos são as lesões devido ao trauma que pode ser causado pelo tubo e o risco de a pneumonia ser associada à ventilação mecânica, impactando a cavidade oral. Normalmente, para gerir esse cenário, a higiene bucal adequada, a remoção de dispositivos e próteses e diversas medidas de prevenção de PAV (Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica) são discutidas e executadas pelos profissionais adequados.

Hospital Vila Santa Catariana

A equipe de Dentistas também faz acompanhamento no Hospital Municipal Vila Santa Catarina Dr. Gilson de Cássia Marques de Carvalho, administrado pelo Einstein, onde acontece a maior parte dos transplantes de órgãos, via Sistema Único de Saúde (SUS). “Com base na literatura médica, um foco de infecção muito importante nesses casos pode até levar à perda do enxerto e rejeição com potencial relação com a boca”, alerta a Dra. Letícia.

Artigo científico

A boca é o reservatório do corpo humano com maior diversidade de micro-organismos, aumentando as chances de haver tecido conjuntivo exposto, a mucosite oral. Essa complicação costuma ser um efeito colateral que impede a ingestão de alimentos por vias naturais, causa fortes dores e prejudica a interação do paciente com o meio.

Sendo assim, ela contribui para o aumento do tempo de internação e de uso de medicamentos, impactando na saúde mental do assistido.

Estudos e experiências em hospitais têm mostrado que a inserção do Cirurgião-Dentista na equipe multiprofissional de atendimento ao paciente sob internação pode diminuir o risco dessa e de outras doenças.

As doutoras Letícia e Fernanda participaram da produção do artigo “Segurança em longo prazo da terapia de fotobiomodulação para mucosite oral em pacientes com transplante de células hematopoiéticas: um estudo retrospectivo de 15 anos”, publicado em maio, pela Springer Nature.

O objetivo foi investigar se diferentes protocolos de terapia de fotobiomodulação para o controle de mucosite têm associação com efeitos adversos imediatos e tardios em pacientes com transplante de células hematopoiéticas (TCH).

Outros estudos já haviam constatado a possível diminuição de cinco dias em média no tempo de internação, 50% a menos do uso de morfina e duas vezes menor o uso de alimentação parenteral, quando há o protocolo de Odontologia. “Agora conseguimos mostrar que, além desses benefícios para a qualidade de vida a partir da diminuição do risco de mucosite, temos um impacto significativo na sobrevida do paciente”, alegra-se a Dra. Letícia.

De acordo com as especialistas, todas essas relações e estudos que estão surgindo reforçam a importância do Cirurgião-Dentista na equipe multiprofissional de um hospital. “Sem dúvida, ele também colabora para a redução e ou eliminação do risco de mucosite e de outras doenças, como a endocardite infecciosa, pneumonia bacteriana e úlcera na língua, entre outras”, finalizam.

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