Ciência e Vida

Einstein cria Escritório de Integridade Científica para garantir a excelência nas pesquisas

​Número de retratações de pesquisas tem crescido no mundo todo, aumentando a preocupação com a integridade científica.

A quantidade de relatos sobre plágio, falsificação e até invenção de resultados e processos de pesquisas científicas vem aumentando significativamente nos últimos anos dentro do ambiente científico, em diversos países. Entre os motivos apontados por especialistas estão: o crescimento do uso da internet, a criação de softwares e a grande pressão pelo crescimento no número de publicações.

Com isso, a preocupação com a integridade científica vem expandindo no mundo, com destaque para uma grande quantidade de retratações de artigos publicados, além de denúncias de má conduta.

Diante desse cenário, o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP), no final de 2019, instituiu o Escritório de Integridade Científica, composto por uma equipe de gestão-operacional e pelo Comitê de Integridade Científica, criado em 2016, com a finalidade de realizar auditorias em pesquisas feitas dentro Instituição.

Desse modo, médicos e pesquisadores trabalham em conjunto com outros gestores para garantir as normas, regulamentos e diretrizes estabelecidas no campo científico, resultando em auditorias feitas em produções científicas de forma randomizada, seguindo três estágios diferentes.

A primeira etapa é composta por estudos em andamento com mais de 50% dos dados coletados. A segunda engloba pesquisas concluídas, tendo a publicação finalizada em até três anos. Por último, são analisados os trabalhos acabados com até cinco anos sem terem sido publicados.

Conforme a Coordenadora do Escritório de Integridade Científica, Anna Davison, o Einstein é a única instituição brasileira a ter um escritório desse tipo, preocupado com a excelência em pesquisa interna. “Não tenho conhecimento de outra entidade de saúde que mantém uma área para esse fim no Brasil. E é de extrema importância para evitar, entre outros problemas, a necessidade de fazer retratações, como temos visto ocorrer com pesquisas sobre a COVID-19, por exemplo”.

O processo de auditoria começa quando os projetos registrados no Sistema de Gerenciamento de Programas e Projetos (SGPP), com base nos três critérios de seleção, passam pela randomização que elege os que passarão por análises.

Mas antes disso, eles devem ser aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), que funciona dentro do Einstein de forma independente. Atualmente o Brasil tem cerca de 800 CEPs. Esses Comitês estão ligado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, uma das 18 Comissões do Conselho Nacional em Saúde.

Após essa etapa, é verificado se as recomendações realizadas pelo CEP estão sendo executadas nos estudos. Feito isso, os projetos seguem os processos de compliance, que analisa se há indício de má conduta, se houve a aprovação ética adequada e se teve a aplicação de termos de consentimento livre esclarecido, quando é o caso.

Além disso, é averiguado se os dados estão sendo coletados, mantidos e geridos de forma apropriada. Ao final, a equipe do Escritório atesta se o texto publicado está de acordo com todas as informações apuradas em congruência com a proposta do estudo.

Conforme Anna Davison, os documentos avaliados pelo Escritório de Integridade são sempre encaminhados a um relator, membro do Comitê de Integridade Científica, que faz a análise necessária e emite um parecer a ser validado durante reuniões semanais e enviado aos pesquisadores. “Se houver necessidade de ajustes, o pesquisador deverá, então, fazer as correções e nos encaminhar novamente, para que possamos verificar as adequações feitas”.

Uma das características do modelo brasileiro na regulamentação da pesquisa é a aprovação ética prévia. Embora o pesquisador envie para o CEP relatórios periódicos, não há a análise dos dados originais após o início da pesquisa, por exemplo, ou a verificação de que os Termos de Consentimento foram aplicados da maneira como o Comitê e o Escritório de Integridade Científica do Einstein costumam proceder.

Outro passo é checar todas as questões sobre como o estudo está sendo conduzido e no caso dos que estão acabados e não foram publicados, os auditores solicitam ao pesquisador que justifique o motivo de sua não publicação.

Desde a criação do Comitê de Integridade, foram auditados 126 projetos de pesquisa e no momento 15 auditorias estão em andamento. “Tudo o que fazemos envolve os processos de boas práticas em pesquisa. No Einstein não tivemos nenhuma retratação até hoje”, ressalta a Coordenadora.

Futuro

No futuro, Anna Davison diz que o Escritório pretende acompanhar todas as fases do projeto, ou seja, da construção até a publicação de artigos. “Observamos a existência de algumas questões educativas que precisam ser feitas. Então, vamos criar ações nesse sentido junto aos alunos e pesquisadores com foco em boas práticas em pesquisa”.

Outra iniciativa da área é a preparação de um plano piloto para o acompanhamento dos alunos recém-admitidos no Mestrado Acadêmico, em que todos os projetos serão acompanhados em três etapas: nos momentos da qualificação, defesa e publicação. “Serão os primeiros que faremos sem a randomização, com todos monitorados”.

Fora do Brasil

Os dados mais preocupantes são dos Estados Unidos, conforme o Office of Research Integrity – ORI (Escritório de Integridade em Pesquisa, tradução livre do inglês), do Departamento de Saúde do governo americano. Segundo o órgão, o número de trabalhos retratados nos últimos dez anos somente nas ciências biomédicas aumentou 435% – incluindo artigos contidos na base PubMed, referência internacional para pesquisas nessa área. Em 2012, 375 artigos da base foram retratados, comparados a 271 em 2011 e a 70, em 2003.

Em 2011 foram recebidas 240 denúncias e, dentre as 29 investigações concluídas, 13 (44%) resultaram em um veredicto de culpa. Dados da Web of Science, a biblioteca digital que cataloga artigos das melhores revistas científicas do mundo, apontam que em 2011 e 2012, cerca de 800 trabalhos foram retratados, segundo estimativas divulgadas pelo site Retraction Watch, que publica notificações sobre pesquisas retratadas em todo o planeta.

Mais recentemente, um artigo publicado em janeiro de 2016, na revista Scientometrics, analisou 1.623 retratações divulgadas, entre 2013 e 2015, tendo parâmetros como país de origem, área do conhecimento e causa da retratação. O trabalho foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e observou que as retratações estavam distribuídas por 71 países.

Mas a análise teve como foco as 15 nações responsáveis pela maior parte (85%), consistindo em regiões bastante produtivas em termos de publicações científicas. O Brasil não figura nessa lista, apesar de em 2015 ter ficado em 13º lugar no ranking dos países com maior número de artigos indexados na base de dados do indicador SCImago Journal & Country Rank. Daí a importância desse investimento no setor para que as pesquisas brasileiras estejam entre os parâmetros desejados.

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