Ciência e Vida

Fake news na área médica preocupa profissionais

Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein reúne jornalistas e pesquisadores para discutir o tema.

Quem nunca recebeu uma mensagem via rede social sobre “curas milagrosas” contra o câncer? E textos a respeito de doenças supostamente causadas pelas vacinas, ou sobre novas epidemias que estariam se espalhando pelo país? Com as redes sociais e os aplicativos de comunicação instantânea, as notícias falsas – ou fake news – se espalham cada vez mais rapidamente. Na área médica, o fenômeno tem deixado as autoridades em alerta, além de trazer consequências para o relacionamento dos profissionais de saúde com seus pacientes.

Casos em que a proliferação de informações falsas afeta o comportamento de parte da população vêm crescendo dia a dia. Em abril, por exemplo, o Ministério da Saúde teve que divulgar uma nota oficial desmentindo a existência de uma cepa H2N3 de vírus da gripe no país. “Essa é uma informação inverídica que está circulando nas mídias sociais. Os vírus de gripe que atualmente circulam no Brasil são o influenza A/H1N1pdm09, A/H3N2 e influenza B. A vacina contra gripe, cuja campanha se inicia na segunda quinzena de abril, protege contra esses tipos de três vírus”, informava o documento.

​Na Itália, no começo do ano, o grupo Women for Oncology organizou um evento na Câmara dos Deputados em Roma para chamar a atenção sobre a quantidade crescente de boatos relacionados ao câncer nas redes sociais. Entre outras inverdades, essas divulgações diziam que ímãs da geladeira seriam cancerígenos, que quimioterapia é ineficaz e que as biópsias espalhavam tumores pelo corpo. “A desinformação e o hábito dos pacientes de confiar mais na internet do que nos oncologistas de verdade estão cada vez mais difundidos e abordá-los exige uma aliança entre oncologia, política e mídia”, advertiram as especialistas.

A preocupação sobre a proliferação de notícias falsas sobre saúde fez o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP) Albert Einstein incluir na programação do seu I Fórum de Pós-Graduação Einstein: Pesquisa para a Vida o debate Divulgação Científica na Era das Redes Sociais e Fake News. Participaram da discussão os jornalistas especializados em ciência e saúde Diogo Massaine Sponchiatto (revista Saúde – Editora Abril), Carlos Orsi (Planetários de São Paulo) e Marcos Pivetta (revista Pesquisa Fapesp).

Para a intermediadora do debate, Dra. Anna Carla Goldberg, consultora de Projetos de Pesquisa do IIEP, a disseminação de tantas notícias falsas acaba contribuindo para um descrédito geral da população sobre a ciência. “O trabalho do cientista, que é respaldado por pesquisas, referências bibliográficas e metodologias consistentes acaba sendo prejudicado pelas fake news“, disse.

Dra. Anna Carla explica que a disseminação de notícias falsas pode trazer danos reais à saúde da população, pois muitas pessoas mudam de comportamento em consequência do que ficam sabendo pelas redes sociais. A não vacinação é um exemplo disso. “Doenças que estavam extintas ou quase extintas, como o sarampo no Brasil e a poliomielite em outras partes do mundo, podem ressurgir em grandes proporções por conta da falta de vacinação provocada pelas fake news“, acrescenta.

Preocupadas com a baixa adesão e a grande quantidade de informações erradas circulando nas mídias sociais sobre a vacina de febre amarela, as Sociedades Brasileiras de Medicina Tropical (SBMT), Infectologia (SBI), Imunizações (SBIm), Reumatologia (SBR) e Pediatria (SBP) divulgaram no último mês de março uma carta aberta aos médicos e profissionais de saúde sobre a importância dessa vacina e suas contraindicações. Na carta, elas endossam as recomendações do Ministério da Saúde e convocam médicos e profissionais da saúde a orientar seus pacientes a se vacinarem, desde que não haja contraindicações.

Outra consequência negativa das fake news sobre saúde observada pela Dra. Anna Carla pode ser a adesão a tratamentos falsos ou ineficientes. “Pessoas de várias partes do mundo chegam a viajar a países como a China em busca de tratamentos celulares sem comprovação científica”, lamenta.

Com o título “Epidemia de mentiras”, a revista Veja trouxe como reportagem principal da sua edição de 6 de julho as fake news na área da saúde. O texto conta histórias de diferentes pessoas que acreditaram em notícias falsas veiculadas na internet e tiveram seu estado de saúde agravado, como o comerciante Augusto Simeoni, de 59 anos de idade. Ele trocou o tratamento do diabetes recomendado pelo médico pela ingestão de um copo de baba de quiabo com água todas as manhãs. A fórmula mágica, que eliminaria a doença, naturalmente não funcionou e Simeone teve como uma das consequências um dedo do pé esquerdo amputado, depois que uma pequena ferida não cicatrizou devido à glicemia fora de controle.

Para a publicação dessa reportagem, a revista Veja fez um levantamento de 3 mil notícias sobre saúde, publicadas em seis páginas no Facebook, e selecionou cerca de mil notícias que tiveram maior número de compartilhamentos. Entre elas, descobriu-se com a ajuda de médicos, que aproximadamente um terço divulgava falsidades inquestionáveis. Os temas mais frequentes na lista de fake news foram dieta para emagrecer, câncer e diabetes.

Pessoas e não robôs espalham as fake news, indica estudo do MIT

No maior estudo já realizado sobre as notícias falsas, o The science of fake news, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) constataram que as informações falsas têm 70% mais chances de viralizarem que as verdadeiras. Publicado na revista Science em março de 2018, esse estudo demonstrou que cada postagem verdadeira atingia, em média, mil pessoas, enquanto que as postagens falsas mais populares – aquelas que estavam entre o 1% mais replicado – podiam atingir até 100 mil pessoas.

Os pesquisadores do MIT observaram que os robôs aceleram a disseminação de informações falsas e verdadeiras nas mesmas proporções. Ou seja, diferentemente do que se pensava anteriormente, as fake news se espalham mais que as notícias verdadeiras porque os humanos – e não os robôs – têm mais probabilidade de disseminá-las.

O estudo The science of fake news envolveu a análise de 126 mil postagens no Twitter disseminadas por mais de 3 milhões de pessoas desde 2006, quando essa rede social foi lançada, até 2017. Entre o total de notícias falsas analisadas, as mais frequentes foram sobre política, somando aproximadamente 43 mil publicações, mas as informações sobre ciência e tecnologia também ganharam destaque com cerca de 12 mil postagens.

Outra constatação importante do estudo refere-se ao perfil das pessoas que transmitem notícias falsas e verdadeiras. Segundo os pesquisadores do MIT, os usuários que espalham notícias falsas no Twitter tendem a ter menos seguidores, seguem menos gente, são menos ativos e estão no Twitter há menos tempo, em comparação aos usuários que replicam notícias verdadeiras.

​Na opinião da Dra. Anna Carla, os principais responsáveis pelas fake news sobre saúde e ciência são as pessoas não especialistas que decidem passar adiante informações que desconhecem. “Elas fazem uma avaliação superficial do assunto, encaram isso como verdade e divulgam nas suas redes sociais”, diz.

​Por tudo isso, nas clínicas, nos hospitais e consultórios médicos são cada vez mais comuns os relatos de pacientes que se dirigem aos profissionais de saúde para questionar sobre temas relacionados a fake news, ou trazem questionamento sobre temas que pesquisaram nos mecanismos de busca, nem sempre sabendo identificar se as páginas encontradas traziam informações corretas. ​

Veja a seguir 5 regras básicas para identificar fake news

1. Atenção à fonte da informação

Confirme se a notícia foi divulgada por algum veículo de comunicação de credibilidade. Mesmo que no final do texto haja o nome do veículo, procure saber se de fato essa informação está disponível originalmente nesse canal de informação.

2. Desconfie do que parece sensacional

A maioria das fake news é sensacionalista. Elas costumam trazer esperança ou medo para determinadas situações. Portanto, se receber alguma informação improvável, desconfie e procure conferir se há estudos de centros de pesquisa renomados.

3. Há embasamento científico?

Mesmo que a informação recebida seja crível, procure saber se foi baseada em algum estudo que tenha seguido critérios metodológicos.

4. Amigos e familiares também repassam notícias falsas

Segundo o estudo The science of fake news, os humanos, e não os robôs, são os que mais disseminam as notícias falsas. Fique atento a qualquer informação sobre saúde divulgada nas redes sociais, independentemente de quem a tenha repassado. Diante de dúvidas, consulte um especialista.

​5. Leia o texto ou assista ao vídeo inteiro

Em vários casos, a notícia falsa não tem consistência. Basta ler ou assistir ao material com atenção para perceber que faltam explicações técnicas e científicas. Checar os nomes das instituições e das pessoas usadas como fonte, assim como a data da publicação, também ajuda a confirmar a veracidade da informação sobre ciência e saúde.

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