“Aos 4 anos de idade, explodi o vaso sanitário do banheiro da minha avó”
O resultado da experiência do Dr. Rizzo na infância desagradou à senhora. Mas já indicava aquilo que, em sua visão, leva alguém a ser pesquisador: curiosidade.
Basta olhar no Lattes o currículo do Dr. Luiz Vicente Rizzo, diretor de Pesquisa do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP), para constatar sua larga bagagem de realizações – primeiro como pesquisador, com atividades no Brasil e nos Estados Unidos, e, na última década, colocando essa experiência a serviço da administração da ciência. São credenciais que o autorizam a falar sobre pesquisa e pesquisadores numa perspectiva inteligente, às vezes divertida e, com alguma frequência, contrária ao senso comum.
O relato sobre a mistura de produtos do toalete da avó que resultou na destruição do vaso sanitário da casa, por exemplo, foi para explicar o que o conduziu ao mundo da pesquisa e que, na sua visão, são os elementos que levam as pessoas a optar pela profissão: a curiosidade, que geralmente se manifesta ainda na infância; a inquietude, que faz querer saber sempre mais, e a insatisfação com o status quo, que impulsiona a buscar coisas novas.
“Para fazer ciência, tem que ter determinados ‘chamados’ e requer habilidades que não são aquelas que as pessoas pensam e que não cabem no estereótipo do Einstein, o cientista genial descabelado. Não precisa ser gênio para ser um grande cientista. Precisa é ser um perguntador e insatisfeito. Se eu tivesse de dar uma receita de pesquisador, os ingredientes seriam: primeiro imaginação, segundo inquietação e depois inteligência. Pesquisa é 10% inspiração e 90% transpiração”, diz o Dr. Rizzo, repetindo a frase de Thomas Edison. “Se for gênio, ajuda. Mas ser gênio ajuda a ser qualquer coisa”, completa.
Centros médicos e pesquisa
É também com um olhar que foge ao senso comum que ele vê a importância de uma instituição como o Einstein manter atividades de pesquisa.
Primeiro, ele destaca que “a pesquisa é parte inerente da atividade na área de saúde, ou em 100 anos, a expectativa de vida das pessoas não teria passado de 40 para 80 anos”. Em seguida, lembra que não existe um grande centro médico reconhecido que não seja também um grande centro gerador de conhecimento. “O pesquisador é um indivíduo que está sempre insatisfeito com o status quo, sempre em busca do progresso. Ele sempre tem outras perguntas e, mesmo que não tenha as respostas, vai estudar quem tem. Por isso os grandes centros que têm atividade de pesquisa terão sempre as coisas mais modernas, mesmo que não tenham sido criadas por ele. O ponto fundamental não é a descoberta em si. É o conhecimento. E a saúde é um lugar onde o conhecimento é ponto fundamental”, reflete o Dr. Rizzo.
O normal e as exceções
Como em toda área de atividade, também em pesquisa há profissionais bem-sucedidos que sequer fizeram um curso de graduação. O Dr. Rizzo cita como exemplo Leonor Herzenberg, que não fez faculdade e tem título de doutor honoris causa pela Universidade de Stanford. Ela e o marido Leonard são descobridores do citômetro de fluxo (recurso que possibilita realizar a separação, contagem individual de células e detecção de biomarcadores proteicos). Casos como esse podem ser glamorosos. Mas obviamente são exceções.
O caminho normal para ser pesquisador é faculdade, iniciação científica e pós-graduação stricto sensu (a pós-graduação lato sensu é reconhecida, mas não confere título de mestre ou de doutor).
No Brasil, há pouco estímulo oficial à formação de pesquisadores, o que talvez explique também o pouco interesse. Menos de 2% dos jovens de 15 a 17 anos consideram a carreira em ciências, segundo recente pesquisa do Datafolha. “Não é bom para o país esse desinteresse dos jovens pela pesquisa”, afirma o Dr. Rizzo.
De qualquer forma, para os menos de 2% que realmente seguirem em frente no propósito de tornar-se pesquisador há caminhos que podem ser trilhados já na fase de graduação, com participação em programas de iniciação científica oferecidos por várias instituições. “Nenhum aluno nosso da Medicina ou da Enfermagem que quiser fazer iniciação científica deixará de fazê-lo”, diz o Dr. Rizzo, referindo-se ao Programa de Iniciação Científica da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Quanto à pós stricto sensu, ele recomenda que seja realizada com dedicação exclusiva, o que certamente gerará melhores resultados. Depois, é enveredar para seguir novos passos no universo da pesquisa, movido por aqueles mesmos ingredientes de sempre: curiosidade, imaginação, inquietude…
Ricardo: como o garoto dos porquês virou pesquisador
A história de Ricardo Weinlich, pesquisador do Einstein, se encaixa como uma luva à “receita de pesquisador” do Dr. Rizzo, a começar pela curiosidade, presente em quantidades generosas desde a infância. “Sempre gostei de fazer pergunta. Eu ia além daquela criança que sempre pergunta o porquê de tudo. Não parava nem no décimo porquê”, conta ele.
Aos 10 anos, Ricardo já tinha objetivos ambiciosos, embora de interesse pessoal: queria descobrir a cura da gripe, uma doença que achava muito “chata” para todo mundo, mais ainda para uma criança. Na adolescência, descobriu que já tinha gente estudando isso. Resolveu então que iria fazer melhoramento genético de plantas e ficaria rico produzindo tulipa adaptada ao clima brasileiro. Embalado pelo sonho, entrou na Faculdade de Biologia. Foi nessa época que começaram a aparecer as primeiras tulipas adaptadas. “Perdi o meu negócio, mas gostei muito da faculdade, principalmente da área de genética”, diz Ricardo.
Fez iniciação científica na área de genética populacional de abelhas, frequentava palestras e ajudava a organizar congressos estudantis. Num desses eventos, encantou-se com a palestra do professor João Gustavo Pessini Amarante-Mendes, que trabalhava com imunologia e morte celular. Procurou-o e disse que gostaria de trabalhar com ele quando terminasse a faculdade (estava no último ano) e o estágio da genética das abelhas. Fez mestrado e doutorado com ele na Universidade de São Paulo e um pequeno período de pós-doc também focando morte celular e imunologia.
Depois foi para os Estados Unidos, para o pós-doc no St. Jude Children’s Research Hospital, onde acabou se envolvendo com o projeto que resultou na descoberta de uma nova via de morte celular: a necroptose. “A via de morte celular conhecida era a apoptose, ou seja, a morte fisiológica das células, que é um processo silencioso, que não gera infamação. A necroptose, ao contrário, gera muita inflamação e atividade do sistema imunológico”, explica o Dr. Ricardo. Esse conhecimento pode gerar novos caminhos de tratamento de doenças associadas a alguns tipos de vírus e bactérias e de câncer. “Temos visto, por exemplo, que em 90% dos tumores de mama mais agressivos essa via de morte celular não funciona. Se a via por necroptose funcionar, teremos um câncer menos agressivo, porque esse tipo de morte celular gera uma resposta imunológica”, exemplifica.
No Einstein, o Dr. Ricardo continua envolvido em estudos de necroptose, buscando entender melhor como é a regulação das moléculas envolvidas nessa via tanto em determinados tipos de câncer como em doenças como sepse e zika. Ele também faz parte de uma equipe do Dr. Rizzo criada recentemente para estudar terapia gênica para o tratamento de doenças genéticas, começando pela anemia falciforme. Além disso, dá aulas regulares na pós-graduação stricto sensu do Einstein e aulas esporádicas na pós-graduação lato sensu.
Nem descabelado, nem antissocial
O fato é que a criança dos porquês floresceu na forma de um profissional apaixonado pelo que faz e que incentiva outros “curiosos” a irem atrás do sonho de ser pesquisador. Mas, quando fala do que significa ser cientista, recomenda desmistificar o modelo romantizado do passado, “do cara de cabelo desgrenhado, que fica isolado, trancado num lugar até ter uma ideia brilhante e gritar Eureka!”.
“O mundo acadêmico real é de muita troca de informações e cada vez mais centrado em atividade de grupo. Hoje, tentar fazer pesquisa isoladamente é perda de tempo. Para achar coisas relevantes, é necessária uma equipe interdisciplinar, que pensa sob ângulos diferentes, permitindo ver o problema de maneira mais global”, diz ele.
Assim, segundo o Dr. Ricardo, a curiosidade e a motivação para descobrir coisas novas são características fundamentais num pesquisador. Mas deve-se somar a elas outras habilidades, como saber trabalhar colaborativamente e se comunicar, o que inclui dar palestras e escrever bem, compartilhando seus achados com a comunidade científica para que esta possa aproveitá-los. “Tudo isso é importante, mas sem perder aquele drive individual de querer saber o que ainda é desconhecido”, ressalta. “Afinal, como diz o Dr. Rizzo, se a gente já soubesse, não seria pesquisa. Trabalhamos justamente na fronteira desse desconhecido”, resume o Dr. Ricardo.