Da comunidade de Paraisópolis ao Ensino Médio Integrado ao Técnico em Enfermagem
Amanda Alexandre não teve limites para sonhar e agora terminou o curso já com uma profissão para entrar no mercado de trabalho e continuar estudando para crescer na área da saúde
Aos 18 anos, Amanda Alexandre da Silva Barros reconhece no curso técnico a possibilidade de realizar um grande sonho. A jovem, que teve a formação básica no Centro Educacional Unificado (CEU) e na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), ambos na comunidade de Paraisópolis – zona Sul de São Paulo -, agora faz parte da primeira turma de formandos do curso de Ensino Médio Integrado ao Técnico em Enfermagem do Einstein (também conhecido como ETIM-Einstein).[i]
Tudo começou quando ela passou a frequentar as aulas da Associação Crescer Sempre, no contraturno escolar. “Um dia, a Diretora perguntou se alguém gostaria de ingressar na área da saúde pela Escola do Einstein, localizada na Avenida Paulista. Eu desesperadamente levantei a minha mão, porque sempre sonhei trabalhar na área da saúde. Eu tinha 16 anos e, dos 30 alunos da sala, fui a única a demonstrar interesse”.
Mas, ao saber que se tratava de uma rede particular de ensino, Amanda sentiu-se muito triste, pois sua família jamais poderia custear tal educação. No entanto, os professores da Associação, conhecendo sua performance estudantil, disseram a ela para estudar e fazer a prova, pois haveria uma maneira de conseguir um patrocinador para seus estudos.
A adolescente empenhou-se e foi aprovada, conquistando seu primeiro grande objetivo. “O Einstein me deu uma bolsa de estudos de 75%, por conta da baixa renda da minha família, e os outros 25% foram cobertos por um apoiador ligado à Crescer Sempre”.
Isso porque, além de oferecer apoio a jovens no que diz respeito ao ensino convencional, essa Associação possui um projeto que reúne pessoas a colaborarem financeiramente com alunos, cujos pais não têm condições para custear escolas particulares aos filhos. “Eu sempre sentirei muita gratidão e amizade pelo doador, que completa minha bolsa de estudos para me possibilitar estudar no Einstein”.
O seu desejo de ser uma profissional da saúde começou aos 10 anos. Antes, ela pensava em ser professora, mas depois que presenciou alguns acidentes de trânsito envolvendo pessoas feridas, passou a ter vontade de fazer parte daquelas cenas. “Eu ficava emocionada vendo os primeiros atendimentos e queria ajudar a resolver aquele problema, fazer a pessoa parar de sangrar”.
A jovem diz que chegar ao fim do curso enche de orgulho a mãe Rosemeire, o irmão Leonardo, de 25 anos, além de outros familiares e seu apoiador. “Nós não teríamos condições de bancar uma escola com tanta estrutura e qualidade. Somos muito agradecidos ao Einstein e a todas as pessoas que acreditaram em mim”.
Com o título de Técnica em Enfermagem em mãos, ela já se planejou para participar do processo seletivo para trabalhar no Hospital Israelita Albert Einstein, continuar estudando no Quantum (cursinho gratuito organizado por alunos das Graduações em Medicina e Enfermagem do Einstein) e ingressar na Graduação em Enfermagem. Depois quer concluir o Mestrado e ser Enfermeira e docente. “Fazer tudo isso no Einstein é o meu desejo agora”.
Obstáculos vencidos
Hoje, Amanda afirma que a sua vida mudou completamente em todos os aspectos, inclusive nos quesitos cultural e social. “Antes da Escola Técnica, eu vivia em na bolha da comunidade. Não conhecia a Avenida Paulista, os espaços culturais e pessoas de outras classes sociais. Agora me sinto uma vencedora e privilegiada, pois consegui me adaptar em todos os novos ambientes e construí um novo horizonte. O meu repertório aumentou de zero para 100%”.
A Técnica em Enfermagem afirma ler o mundo por novas perspectivas. Principalmente em relação à união e ajuda mútua. No início da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, ela enfrentou muitas dificuldades para estudar, pois em sua casa não chega a banda larga, não tinha computador e nem mesa adequada para desenvolver as tarefas. “Pelo celular era impossível assistir às aulas”.
Para ter essa infraestrutura, ela mudou-se para a casa do namorado. Mas a sua mãe não desistiu e após um mês conseguiu compartilhar a internet com uma pessoa da comunidade. Por coincidência, o patrocinador dos 25% de sua bolsa no Ensino Médio Técnico lhe perguntou se conhecia alguém que precisava de um notebook. “Não acreditei e na hora disse: Claro, eu. Para completar um dos profissionais da Escola Técnica disse que o filho estava doando uma mesa de estudo. Rapidamente eu perguntei se ele doaria para mim”. Já um mouse e uma impressora foram oferecidos pela patroa de Rosemeire.
Com toda essa união foi possível criar um ambiente adequado para Amanda voltar para casa e estudar com tranquilidade. O cenário atual a faz sentir mais motivada, confiante e esperançosa em relação ao ser humano, ao olhar para trás e perceber o quanto cresceu e tem ainda a aprender. “Quando eu estudava no EMEF, eu procurava ser uma boa aluna. Nunca me deixei ser alimentada pela autodesvalorização que muitos da comunidade sentem”.
O futuro batendo à sua porta
Segundo Amanda, seu outro plano para o futuro é colaborar com a sua comunidade da mesma forma como foi ajudada. Para ela, a maioria das pessoas que conhece em Paraisópolis não pensa em conviver com grupos de classe social mais elevada do que a delas, ou ainda, frequentar diferentes espaços da cidade.
A estudante discorda dessa crença e quando puder fará algum projeto para motivar os jovens da região a serem mais otimistas. “A sociedade impõe que a pessoa nasceu pobre, então, deve ser sempre pobre. Que não pode estudar em uma escola particular. Mas não é assim, a gente tem a capacidade de fazer tudo”.
Ela confessa que já teve esse pensamento, mas, antes de ancorá-lo em sua mente, aprendeu a eliminá-lo, com a ajuda de sua mãe. Para a jovem, o lugar de origem não pode determinar o futuro de ninguém. “Todos devem ter pelo menos uma chance”.
Sua própria mãe conseguiu reverter esse padrão mental de insegurança. Rosemeire, que nunca havia frequentado uma escola, há seis anos passou a estudar e atualmente, aos 36 anos, consegue ler e escrever. “É outra conquista da nossa família”, comemora Amanda.
Essa nova fase contribuiu para que Rosemeire passasse a incentivar ainda mais a vida escolar da filha, mesmo que ficasse sobrecarregada com as tarefas de casa, depois de um dia cansativo de trabalho como empregada doméstica. “As mães de muitos de meus amigos da comunidade pensam que eles devem trabalhar cedo. Mas a minha é uma grande incentivadora e o meu porto seguro. Mesmo com as dificuldades em manter os meus gastos, ela nunca desistiu de me apoiar”.
Foco na qualidade
Neste ano de 2021, a Escola Técnica do Einstein formou os primeiros alunos do curso de Ensino Médio Integrado ao Técnico em Saúde, tanto em Enfermagem quanto em Administração. Entre seus objetivos está a formação de pessoas autoconfiantes, com elevado conhecimento cultural e empatia social, bem como de técnicos comprometidos com o atendimento humanizado, com foco na qualidade e segurança do paciente.