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Aumenta participação feminina na pesquisa científica brasileira

​Embora ainda haja muitos desafios, a proporção de mulheres que publicam artigos científicos cresceu 11% no país nos últimos 20 anos.

Apesar de avanços marcantes em direção à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres, especialmente durante o último século, o progresso tem sido lento e as disparidades persistem em todo o mundo. Essa realidade, infelizmente, também se observa na área científica, afirmam os editores da revista Nature Cell Biology, em artigo publicado na edição de agosto de 2018. Com o título Women in Science, o texto ressalta que as mulheres representam apenas um terço dos cientistas em todo o mundo e, muitas vezes, enfrentam discriminação baseada em gênero e falta de igualdade de oportunidades.

Segundo previsões da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), as mulheres continuarão sendo minoria no ramo científico nos próximos anos. Em 2030, elas devem representar apenas 30% do total de pesquisadores em atividade no mundo.

No entanto, de acordo com o relatório Gender in the Global Research Landscape, lançado em 2017 pela editora científica Elsevier, diversos países vêm apresentando progressos em relação à participação das mulheres nas pesquisas científicas.

Dados desse relatório demonstram que Brasil e Portugal estão no topo da lista com 49% dos estudos científicos sendo conduzidos por mulheres no período de 2011 a 2015. Entre 1996 e 2000, a média de participação delas era, respectivamente, de 38% e 41%, percentual bem superior ao do Japão, em que esse número saltou de 15% para 20% no mesmo período.

No geral, as mulheres tendem a pesquisar mais assuntos envolvendo as ciências biomédicas, enquanto os homens se concentram na área de ciências físicas, segundo o relatório publicado pela Elsevier. Do total de mulheres cientistas no Brasil, por exemplo, 24% participavam de estudos sobre medicina no período de 2011 a 2015, enquanto que entre os homens essa proporção era de 17%. Já as pesquisas envolvendo bioquímica, genética e biologia molecular atraíram 10% do total de mulheres pesquisadoras e 8% dos homens.

Obstáculos a serem superados

Médica-pesquisadora e docente permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP), Dra. Érika Bevilaqua Rangel avalia que, embora a participação das mulheres nas ciências esteja aumentando no Brasil, ainda há muito espaço a ser conquistado.

Segundo informa a professora, as mulheres são maioria na graduação e na pós-graduação, por exemplo, mas à medida que as carreiras avançam no meio acadêmico, elas tendem a se tornar minorias. “Nós mulheres acabamos ocupando menos vagas de docência, alcançando menores índices de publicação científica e recebendo menos bolsas de pesquisa por produtividade”, afirma.

Ela chama a atenção também sobre a importância de se pensar a equidade no meio científico. Segundo explica, a carreira do pesquisador geralmente tem início na graduação, seguida do mestrado, doutorado, pós-doutorado e publicações em revistas prestigiadas. Nesse processo que demanda grande dedicação, muitas mulheres podem, de acordo com a médica-pesquisadora, ter que diminuir a intensidade devido a uma decisão pessoal importante que é a maternidade e acabar perdendo espaço no setor.

Na pesquisa “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2016, observou-se que 50% das mulheres analisadas estavam fora do mercado 12 meses após o início da licença-maternidade. Os motivos envolvendo as saídas delas eram, segundo o estudo, variados, como demissão, falta de vagas em creches ou, ainda, renda insuficiente para contratar uma babá.

Por isso, Dra. Érika sugere mudanças em alguns processos da carreira do pesquisador. “Os prazos e critérios de avaliação poderiam ser diferenciados para algumas mulheres, considerando os casos de gestação e maternidade”, comenta.

Como exemplo de desigualdade, ela lembra dos pedidos de projetos de pesquisas que são feitos às agências de fomento, como Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Ao fazerem suas avaliações, essas agências ainda estão focadas na linearidade de todo o processo da pesquisa, mas precisariam considerar as questões que levam as mulheres a interromperem temporariamente esse processo para que não sejamos penalizadas”, diz.

A preocupação da pesquisadora pode ser observada nos números do edital de bolsas de produtividade em pesquisa, divulgado em fevereiro de 2018 pelo CNPq. Das 4,4 mil bolsas concedidas para pesquisadores brasileiros, apenas um terço foi para mulheres.

Programa estimula mulheres cientistas

Em outubro de 2018, Dra. Érika participou como palestrante do I Simpósio Weizmann-Einstein, realizado pelo IIEP em São Paulo. No evento que contou com a presença de pesquisadores e colaboradores do Instituto Weizmann de Ciências (WIS), de Israel, ela falou sobre novas estratégias para conter o avanço da nefropatia diabética.

Dra. Érika dividiu a mesa, na sessão intitulada Women in Science to Create Innovative Outlooks, que pode ser traduzido por Mulheres na Ciência para Criar Perspectivas Inovadoras, com a pesquisadora israelense Ruth Scherz-Shouval, do WIS.

Essa parceria entre o Einstein e o Instituto Weizmann já tem mais de uma década e, além de apoiar a participação das mulheres na área científica, visa incentivar o desenvolvimento de projetos de pesquisa com foco em genética da doença de Alzheimer, transplante de medula entre pacientes haploidênticos e estudos com células-tronco mesenquimais humanas.

Para Dra. Érika, mais iniciativas como essa deveriam ser criadas para estimular a participação das mulheres nas ciências. “Atuar em pesquisa traz muitos benefícios, principalmente em relação à carreira, além do desenvolvimento de habilidades como disciplina e organização”, avalia.

Assista também o Live sobre o protagonismo da mulher na ciência, que contou com as participações das pesquisadoras do IIEP Karina Griesi Oliveira e Caroline Serrano do Nascimento.

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