Felicidade e bem-estar: o que a neurociência tem a ver com isso?
Novo campo de estudos, a neurociência da felicidade começa a desvendar mecanismos do cérebro associados a sentimentos positivos e como interferir para ativá-los.
Um novo campo científico vem se consolidando nos últimos anos: a neurociência da felicidade. Em torno dela, neurocientistas, psiquiatras e psicólogos de várias partes do globo estão mobilizados para investigar quais são as atividades cerebrais associadas com as sensações de felicidade e testar interessantes hipóteses sobre a relação entre esses estados emocionais marcados pela positividade e a saúde física e mental das pessoas.
O assunto também vem atraindo a atenção de governos, empresas e público em geral, que têm descoberto como a felicidade e sua mecânica cerebral podem funcionar para múltiplos propósitos, para além das vivências pessoais – desde ser um indicador importante de bem-estar populacional a serviço de políticas públicas até atuar como um nutriente de organizações interessadas em ter profissionais mais motivados e engajados.
Prova da relevância dessa temática foi o estrondoso sucesso da mesa “A Neurociência da Felicidade”, promovida pela Universidade de Yale, em janeiro, no Fórum Econômico Mundial de 2019, em Davos, Suíça. Participantes lotaram auditório para ouvir o time de Yale, que expôs alguns resultados de pesquisas que vêm destrinchando a relação entre pensamento e comportamento. São estudos que demonstram como a felicidade pode impactar a vida física e mental das pessoas, tornando-as mais produtivas, solidárias, criativas e capacitadas para lidar com as adversidades.
Felicidade sustentável e factível
“Existe uma crença generalizada de que a felicidade é algo muito parecido com excitação, algo como um estado permanente de êxtase. Mas essa ideia segue em oposição a uma concepção mais sustentável e factível de felicidade, percebida quase como uma alegria silenciosa. Ao contrário da sensação de ganhar na loteria, o sentimento de felicidade se parece muito mais com o sentar em silêncio e perceber que sua vida é realmente maravilhosa”, pondera a Dra. Hedy Kober, professora associada de psiquiatria e psicologia e responsável pelo Clinical & Affective Neuroscience Laboratory da Universidade de Yale.
A partir de uma abordagem cognitiva e neurocientífica e com recursos e análises de neuroimagem de última geração, é nesse laboratório que a Dra. Hedy, uma especialista em meditação e mindfulness e seus impactos na atividade cerebral, lidera pesquisas que buscam compreender os mecanismos psicológicos e neuronais subjacentes à nossa habilidade para exercer o autocontrole e como desenvolver as melhores estratégias para aplicá-lo, especialmente no contexto dos desejos incontroláveis por alimentos e drogas.
Em Davos, Hedy participou da mesa ao lado do Dr. Molly Crockett, que estuda ética, altruísmo e tomada de decisões, e da Dra. Laurie Santos, professora de psicologia que comanda o curso mais concorrido da história de Yale: Psicologia e Boa Vida, que segue os passos de Martin Seligman, idealizador da Psicologia Positiva, um campo de estudo que se concentra no bem-estar.
Perspectivas promissoras
O trio destacou alguns avanços e promessas da neurociência da felicidade. Os estudos têm demonstrado, por exemplo, que as emoções positivas melhoram as relações sociais, estimulam a confiança e a compaixão e agregam benefícios para a saúde. Pessoas felizes e mais capazes de reagir positivamente diante de situações negativas são menos impactadas pelos efeitos do estresse e se mostram mais resilientes diante de adversidades. Já a incapacidade de manter emoções positivas é um marcador importante da depressão e de outras psicopatologias.
Mas qual seria a explicação para essas relações?
A neurociência já havia descoberto que as experiências concretas têm o poder de remodelar nossos cérebros a partir da constante ativação e utilização de novos circuitos neuronais. É levando em consideração essa plasticidade do cérebro que a neurociência da felicidade está empenhada em decifrar a mecânica cerebral da felicidade e do bem-estar, bem como descobrir de que modo podemos praticá-la ativamente. As pesquisas em curso e alguns dos seus resultados confirmam que o caminho é promissor.
Em julho de 2015, por exemplo, um estudo publicado no Journal of Neuroscience demonstrou, a partir de análises de imagens cerebrais, que pessoas felizes e otimistas têm uma região do cérebro com destacada atividade: o estriado ventral. O trabalho mostrou uma relação entre a ativação prolongada dessa parte do cérebro e o prolongamento de emoções positivas. Pessoas com níveis de atividade diferenciada no estriado ventral apresentavam índices mais altos de bem-estar psicológico e taxas mais baixas de cortisol, o hormônio do estresse e que, em patamares mais elevados, vem sendo associado também a um aumento das inflamações.
Mindfulness e meditação
Uma dimensão relevante é que a neurociência da felicidade pode ensinar as pessoas a ativar mecanismos cerebrais capazes de lhes trazer benefícios físicos e mentais. A Dra. Hedy, por exemplo, que tem vários artigos que descrevem as bases cerebrais das emoções, vem demonstrando como a prática de mindfulness e meditação ativa certas regiões do cérebro. Comprovando a relação direta entre essas práticas e a mudança de padrão de atividade dessas áreas do cérebro por meio de exame de imagem, ela atesta os ganhos físicos e mentais.
A lista não é pequena: menos estresse, controle da ansiedade, melhoria na função cognitiva, maior controle dos impulsos, inclusive relacionados a comportamentos compulsivos, como os associados à alimentação ou aos vários tipos de adicção. Do ponto de vista orgânico, podem ser elencados benefícios como o controle da pressão arterial, saúde das células, melhoria dos marcadores de estresse e controle da dor, especialmente as crônicas. Estudos já demonstraram que a redução da intensidade da dor crônica é proporcional ao tempo de meditação, por exemplo.
“A prática da atenção plena permite que as pessoas interajam com o mundo de forma satisfatória, em vez de simplesmente reagir impulsivamente a ele. Dados de pesquisa sugerem que essa atenção controlada pode mudar o nosso cérebro, nossa experiência e nosso corpo, tornando-o mais resistente ao estresse e às doenças”, afirma a Dra. Hedy, uma das palestrantes do II Simpósio Internacional de Bem-Estar: da Ciência à Vida Prática.
Questionada sobre o que faz para manter sua mente em estado positivo, ela responde: “Meditação, gratidão, exercício físico. Juntos, eles me mantêm flexível e forte.”
O II Simpósio Internacional de Bem-Estar, que abordará temas como a Neurociência da Felicidade, acontece nos dias 14 e 15 de junho de 2019, na Unidade do Einstein do Morumbi, na Avenida Albert Einstein, 627 – Bloco A. Para saber mais sobre o evento, acesse https://apps.einstein.br/simposio-bem-estar/index.html.