Jovem sírio realiza sonho de estudar Medicina após fazer cursinho social do Einstein
Com medo dos conflitos armados no seu país, Mohamed Kabawa mudou-se para São Paulo com a família, encantou-se pela cidade e não tem mais planos de deixar o Brasil.
No final de 2014, Mohamed Kabawa ficou sabendo que teria que deixar para trás avós, tios, primos, amigos e praticamente todos os laços afetivos que tinha construído ao longo dos seus 15 anos de idade em Alepo, maior cidade da Síria. “Meu irmão [Abdu Kabawa] estava prestes a completar 18 anos e seria obrigado a se alistar no exército, mas muitos dos que se alistavam eram convocados e nunca mais voltavam”, conta.
Os crescentes conflitos armados na região fizeram com que a família de Mohamed decidisse sair rapidamente do país. Seu pai, o juiz Kamal Kabawa, já vinha há alguns meses procurando um lugar para se refugiar com a esposa e os cinco filhos, e escolheu o Brasil. “Eu não sabia quase nada sobre o país, não tinha conhecidos brasileiros na Síria, nem sonhava com a possibilidade de um dia estar aqui, mas meu pai disse que havia uma grande comunidade árabe vivendo em São Paulo e, por isso, viemos para cá”, lembra o jovem, hoje com 19 anos de idade.
Reconstrução da vida
Com o dinheiro obtido com a venda de um imóvel e outros bens, desvalorizados pela guerra na Síria, a família Kabawa conseguiu comprar praticamente apenas as passagens aéreas e alugar por alguns meses um apartamento na Mooca, zona leste da capital paulista.
O período de chegada e adaptação em São Paulo foi bem difícil, avalia Mohamed. “Nem tanto pela estrutura urbana, pois Alepo também é uma cidade grande [hoje com cerca de 5,3 milhões de habitantes], mas pela dificuldade de aprender o português e pela saudade que sentia de visitar meus primos nos fins de semana”, lembra.
Graças ao apoio de pessoas e instituições, como a Rede de Educação Adventista, que ofereceu a ele e seus irmãos bolsas de estudo integral, Mohamed conta que foi possível continuar buscando uma vida melhor.
Segundo o jovem, assim que ganhou a fluência na língua portuguesa e passou a acompanhar bem o Ensino Médio, voltou a se dedicar a um desejo antigo: estudar Medicina. “Desde criança eu era curioso sobre a complexidade e o funcionamento do corpo humano”, comenta. “Mas quando vim para o Brasil, meu sonho de ser médico pareceu ficar mais distante”, acrescenta.
Realização do sonho
Sem condições de pagar por um curso pré-vestibular, Mohamed ficou sabendo com um amigo, quando ainda estava no Ensino Médio, da existência do Quantum – um cursinho gratuito criado por alunos das Graduações em Medicina e em Enfermagem da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein para atender alunos de baixa renda.
Durante 2018, Mohamed assistiu às aulas do Quantum e, no final do ano, foi aprovado em dois processos seletivos para o curso de Medicina: na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde começou recentemente a colocar seu sonho em prática. “O suporte do Quantum foi fundamental para eu ter conseguido passar no vestibular”, afirma.
Para ele, o fato de a maioria dos professores do Quantum serem jovens, quase todos alunos das Graduações do Einstein, ajudou a ampliar os vínculos, facilitando o aprendizado. “Como são estudantes que passaram recentemente pelo vestibular, eles me deram dicas valiosas sobre o que estudar e como se portar no dia da prova”, explica.
Outro diferencial desse cursinho social, segundo Mohamed, é oferecer as aulas na mesma unidade onde já estudam alunos de Medicina. “Ver as pessoas andando de jaleco e ter tido contato com alunos mais experientes e até com alguns médicos do Einstein foi muito motivante para mim”, conta.
Um sírio “paulistano”
A maior proximidade da família e da cidade de São Paulo, localizada a cerca de 240 km de São Carlos, foi o principal motivo por Mohamed ter escolhido estudar Medicina na UFSCar e não na UFBA. “Eu adoro a diversidade e o estilo de vida paulistano. Em São Paulo, posso ter amigos brasileiros, sírios, italianos, chineses e de muitos outros lugares”, comenta. “Até do metrô lotado de São Paulo estou sentindo falta”, brinca.
Apesar de estar apenas começando o curso de Medicina, Mohamed já pensa em fazer Residência Médica em Oftalmologia e, por enquanto, não tem planos de voltar a morar na Síria. “Teria que construir tudo novamente do zero”, justifica. “O Brasil agora está se tornando meu país também e São Paulo minha cidade”, completa.