Dr. Cardim indica: “O Amor nos Tempos do Cólera”
A plenitude da nossa felicidade implica em auxiliar outras pessoas a serem felizes.
Carlos Augusto Cardim de Oliveira, também conhecido como Dr. Cardim, é mestre e doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo. Atua principalmente em temas como avaliação de tecnologias em saúde, medicina baseada em evidências, epidemiologia clínica e gestão na área da saúde suplementar. No Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP) integra o corpo docente da Faculdade de Medicina.
Dr. Cardim é fã de “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez – e acha a leitura altamente relevante para os profissionais de saúde. “Uma das coisas a aprender com ele [é] como ‘falar’ com as pessoas, como conseguir expor nossas ideias de modo coerente, claro e convincente, mesmo quando se trata de algo complexo como sentimentos, sempre tão presentes em um relacionamento médico-paciente”, diz Dr. Cardim.
Veja as impressões de Dr. Cardim sobre o livro:
Sobre o livro
“O Amor nos Tempos do Cólera” é um livro do gênero literário realismo mágico ou realismo fantástico, que teve início no começo do século XX. Sua principal característica é a união do mundo mágico/fantástico com o real, no qual seres estranhos e irreais são considerados verdadeiros e habituais. O tempo não é linear, mas cíclico e distorcido, o que permite ao escritor abordar a verdade por vários ângulos, seja do ponto de vista factual, ou do temporal. Na América Latina, esse gênero literário esteve associado ao difícil período político e social marcado pelas ditaduras.
O livro é ambientado na transição entre os séculos XIX e XX, em uma cidade caribenha, onde o cólera (a doença) causava morte e pânico, associados às verdades e às lendas sobre sua causa e formas de transmissão. A história trata de um triângulo amoroso, de um amor improvável, de pressões sociais e culturais sobre o sentimento e o comportamento das pessoas. O autor comenta que o ponto de partida foi a história de seus pais, que tiveram de enfrentar muitas pressões para ficarem juntos.
Florentino Ariza, telegrafista, poeta e violinista, se apaixona por Fermina Daza, que pertencia a outra classe social. O pai da moça se opõe fortemente à união e passa a criar barreiras para evitá-la. Ele a obriga a fazer uma viagem de um ano para fazê-la esquecer Florentino. Ao retornar, ela rejeita a aproximação de Florentino e casa-se com um médico, Juvenal Urbino, considerado bom partido. Mas a história deles não acaba por aí.
O livro é carregado de emoção e lirismo, já que retrata a perseguição de um amor que começa na juventude e vai até a velhice. Durante todos esses anos, o rapaz trabalha e enriquece, como pessoa e financeiramente, sempre pensando em como estar melhor preparado e ser merecedor do coração da jovem e de sua presença.
Sobre o autor
Gabo, como era chamado, nasceu em Arataca, Colômbia, em 1927 e morreu em 2014. Estudou Direito por desejo de seu pai, mas não exerceu a profissão de advogado. Foi jornalista, editor e escritor. Escreveu livros considerados obras-primas da literatura, como “Cem Anos de Solidão”, “Crônica de uma Morte Anunciada”, além, é claro, de “O Amor nos Tempos do Cólera”. Em 1982, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra literária.
Minhas impressões sobre “O Amor nos Tempos do Cólera”
O que me marcou – e certamente marcou milhões de pessoas que leram o livro – foi, em primeiro lugar, a genialidade do autor. São quase 400 páginas que, ao começar a ler, não queremos parar. São envolventes o modo como ele trabalha as palavras, como transporta nossos pensamentos ao local da ação e como faz com que nossos sentimentos se misturem aos dos personagens. Gabriel García Márquez é realmente “fantástico, mágico”!
Talvez seja mesmo uma das coisas a aprender com ele, o como “falar” com as pessoas, como conseguir expor nossas ideias de modo coerente, claro e convincente, mesmo quando se trata de algo complexo como sentimentos, sempre tão presentes em um relacionamento médico-paciente.
O dia a dia do médico é o contato com seus pacientes e suas famílias. É necessária a construção de uma relação de confiança, que exige qualidades como resiliência, empatia e compaixão. A transmissão de informações sobre saúde, notícias boas ou não; dar orientações que impliquem em mudanças de comportamento, implicam em ter as qualidades citadas e usá-las.
O médico precisa ter aquele afeto genuíno pela pessoa, algo como o afeto de Florentino por Fermina, aquele sentimento que atravessa 53 anos ou mais, que nos direciona todos os dias e nos faz capazes de enfrentar momentos difíceis e complexos em contextos diversos. Gabo e seus personagens nos dão uma aula sobre isso.
Do ângulo da história propriamente dita, encanta e motiva assistir a Florentino em sua busca perene por Fermina. A diversidade humana aparece de modo muito vivo. A trama, por mais simples que possa parecer, é complexa, não escolhe bandidos e mocinhos, descreve seres humanos com suas forças e fragilidades, com suas diferenças no pensar e agir. O livro mostra como a vida é um suceder de acontecimentos, de percepções e sentimentos individuais, cujos rumos nem sempre são concordantes. E como determinação, resiliência, empatia e compaixão precisam estar presentes para que a nossa felicidade não coloque em risco a felicidade de outros, como a plenitude da nossa felicidade implica em auxiliar outras pessoas a serem felizes.
“O Amor nos Tempos do Cólera”
Autor: Gabriel García Márquez
Data de publicação: 1985