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Envelhecimento da população é um novo desafio para os profissionais de saúde

​Conhecimentos específicos e trabalho interdisciplinar são fundamentais para assegurar cuidados especializados para um contingente crescente de pessoas idosas.

Pela primeira vez na história, há mais idosos no mundo do que crianças. De acordo com dados divulgados pela ONU em abril, são 705 milhões de pessoas com mais de 65 anos contra 680 milhões na faixa de 0 a 4 anos. Os números são resultado de uma equação simples: de um lado, estão os avanços da medicina e a melhoria das condições de vida que fazem com que os indivíduos vivam cada vez mais; de outro, a queda dos índices de natalidade, que reduz gradativamente o número de crianças. Esse novo desenho da pirâmide etária mundial tende a se acentuar: segundo as estimativas da ONU, em 2050 haverá uma pessoa com mais de 65 anos para cada criança entre 0 e 4 anos.

No Brasil, segundo dados do IBGE, as pessoas com mais de 60 anos representavam em 2018 10,5% da população (um crescimento acelerado de 26% em apenas quatro anos), contra 18,6% de crianças e jovens (0 a 14 anos). As projeções indicam uma inversão desse quadro para 2060. Mas, em 2032, o Brasil já será um país ‘velho’ segundo o padrão da OMS, que considera esse patamar atingido quando os idosos representam 14% da população.

Trata-se de um cenário com reflexos óbvios na perspectiva da saúde: são mais doenças crônicas, mais demências, além de outras fragilidades associadas à idade. O desafio dos profissionais de saúde é preparar-se para essa nova realidade – um desafio ainda maior em países em desenvolvimento como o Brasil, onde o processo de envelhecimento populacional ocorre de maneira acelerada. “Enquanto países da Europa tiveram séculos para se preparar, no Brasil o tempo foi muito menor e não nos desenvolvemos para lidar com a nova situação – não somente na área da saúde, mas em geral”, afirma a Dra. Ana Cristina Procópio de Oliveira Aguiar, coordenadora da Pós-Graduação em Gerontologia e Residência Multiprofissional em Gerontologia do Einstein.

Se não há tempo a perder, o que é preciso fazer para ter profissionais de saúde capazes de atender bem essa população? Segundo a Dra. Ana Cristina, é fundamental investir na qualificação profissional para atuar num cenário de mais doenças crônicas, maior risco de outros problemas, como acidente vascular cerebral, limitações provocadas por essas doenças, além das demências, que serão cada vez mais prevalentes. “Também é preciso aprender a trabalhar de forma multidisciplinar e, principalmente, interdisciplinar, ou seja, interagindo com os demais profissionais. O cuidado do idoso requer múltiplas competências”, destaca ela.

Qualidade de vida

O grande objetivo dos vários profissionais que atuam nessa rede de cuidados – médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, etc. – deve ser a qualidade de vida. “Há uma expressão bastante usada que resume isso: mais que ganhar tempo de vida, é importante ganhar qualidade no tempo de vida”, ressalta a Dra. Ana Cristina.

Além da importância da abordagem multidisciplinar para assegurar a qualidade dos cuidados, a comunicação entre os profissionais muitas vezes ajuda a identificar a causa de sintomas ou doenças interligadas. “Por exemplo, uma questão de isolamento social pode ser gerada por um início de depressão ou por uma dificuldade auditiva não diagnosticada. Um problema de prótese dentária pode causar um emagrecimento e/ou o agravamento de outras doenças pela dificuldade de se alimentar”, observa a Dra. Ana Cristina.

O ideal, segundo ela, é que um profissional com uma visão ampla do quadro coordene o tratamento, demandando o envolvimento de outros especialistas conforme as necessidades e facilitando a comunicação entre eles.

Perfil do profissional

Capacitação, sem dúvida, é primordial para que os profissionais estejam aptos a atender adequadamente esse público. “É preciso entender o processo de envelhecimento, doenças prevalentes, manejo e terapêuticas próprias, assim como conhecer políticas públicas e legislação para prestar uma boa assistência”, afirma a Dra. Ana Cristina. São conhecimentos que podem ser adquiridos em cursos como os de graduação ou pós-graduação em Gerontologia e Geriatria e de especialização na área para dentistas, nutricionistas, fisioterapeutas e outros profissionais.

Embora a questão mercadológica seja tentadora por representar um segmento em curva crescente, a opção profissional deve ser feita de maneira consciente e com a certeza de ter o perfil para atender esse público. “É preciso gostar de idosos, saber ouvir e ter ciência de estar lidando com uma pessoa que tem um conjunto de crenças formadas e que age e se comporta segundo o que acredita. O profissional precisa compreender o seu papel dentro desse contexto, o que vai exigir técnica, paciência e muita empatia”, enumera a Dra. Ana Cristina. Ser resiliente também é uma habilidade muito importante, pois pode ajudar a desenvolver a capacidade de lidar com perdas, muito mais frequentes nessa faixa etária. “Um profissional dessa área pode se beneficiar muito ao ter um suporte psicológico”, observa.

Como se vê, os desafios vão além de uma boa formação e da habilidade de trabalhar de maneira interdisciplinar. A vocação e o perfil para lidar com o idoso são igualmente importantes. Mas o fato é que o mercado precisa e precisará cada vez mais desses profissionais porque o Brasil, assim como o resto do mundo, está ficando mais velho.

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