Estudo aponta para uma nova forma de diagnosticar o autismo
Pesquisadores identificaram biomarcadores que podem ser usados para o diagnóstico molecular de autistas.
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), conhecido popularmente como autismo, é um distúrbio do desenvolvimento neurológico, caracterizado por prejuízos nas habilidades de interação social e de comunicação, acompanhados de comportamentos repetitivos. Esse conjunto de fatores compromete significativamente a qualidade de vida dos pacientes diagnosticados com essa doença tão complexa de ser detectada.
Até os dias de hoje, não há biomarcadores, ou seja, nenhum parâmetro biológico que forneça elementos a indicar se um indivíduo tem autismo. Portanto, o diagnóstico é essencialmente baseado na observação comportamental e habilidades emocionais, sociais e cognitivas, além do histórico pessoal do paciente, não existindo nenhum exame clínico ou de imagem que possa apontar a enfermidade.
Por isso, o processo para essa descoberta, seja em criança, adolescente ou adulto, não é simples. Atualmente, especialistas contam com dois questionários mais utilizados para o diagnóstico do TEA, o Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) – também conhecido como Entrevista Diagnóstica para o Autismo Revisada – e o Autism Diagnostic Observation Schedule 2 (ADOS-2) ou Escala de Observação para o Diagnóstico de Autismo, segundo a pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIPE), a Bióloga Karina Griesi Oliveira.
O ADOS-2 é uma escala de observação. Já o ADI-R é uma escala de entrevista. As duas ferramentas são complexas, amplas e contêm muitas divisões e itens bem específicos. Algumas vezes, além delas, podem ser utilizados testes neuropsicológicos para avaliar o nível de funcionalidade, geralmente da criança, para verificar se além do autismo, há alguma deficiência intelectual.
Normalmente essas avaliações exigem especialistas multidisciplinares, o que demanda tempo e pode resultar em angústia para pais e familiares. Por outro lado, mesmo técnicas modernas de sequenciamento do DNA, que permitem analisar todo o genoma de um indivíduo, ainda não são consideradas como solução para oferecer um diagnóstico rápido e eficaz. “Cada paciente pode ter diferentes alterações genéticas responsáveis pelo distúrbio, o que dificulta entender e estabelecer quais delas realmente levam ao autismo”, diz a pesquisadora.
Pensando em contribuir com uma maneira de melhorar o diagnóstico para o TEA, um grupo de pesquisadores realizou o estudo de transpcritoma (conjunto completo de transcritos: RNAs mensageiros, RNAs ribossômicos, RNAs transportadores e os microRNAs) em neurônios derivados de IPS (células pluripotentes, com capacidade para se transformar em qualquer tipo de células do organismo), cujo desfecho pode resultar em uma futura ferramenta para o diagnóstico do autismo.
Liderado pela também Professora Dra. Karina Griesi Oliveira, em colaboração com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), representados pela Dra. Maria Rita Passos-Bueno, e da University of New South Wales, na Austrália, tendo à frente a professora Dra. Irina Voineagu, a investigação consistiu em estudar neurônios de pacientes autistas produzidos em laboratório (já que o cérebro não é um tecido acessível para análise).
O resultado desse trabalho revelou uma alteração comum e consistente em toda a amostragem pesquisada, que abarcou seis crianças autistas, de sete a 13 anos, do sexo masculino e sem deficiência intelectual. Como contraponto foram utilizadas outras seis crianças, com o mesmo perfil, sem nenhum tipo de alteração cerebral.
A partir da reprogramação celular, que permite a geração de células neuronais de uma pessoa por meio de seu sangue, pele ou outro tecido celular, foi possível realizar a experiência científica. Esse estudo utilizou células das polpas dos dentes dos 12 integrantes da amostragem, as quais foram transformadas em células pluripotentes – equiparadas às células embrionárias – e depois em neurônios, apresentando o mesmo genoma das crianças, ou seja, com as mesmas alterações genéticas. “Dessa forma, os neurônios comportam-se em laboratório como estão se comportando no cérebro, esclarece Karina.
Os pesquisadores estudaram particularmente a expressão gênica, em outras palavras, o quanto de cada gene estava sendo produzido nos neurônios de pacientes autistas e de indivíduos sem autismo. “Nós identificamos que um grupo de genes – cuja função está associada à neurotransmissão, à formação e regulação das sinapses – estava mais expresso (aumentado) nos neurônios dos pacientes autistas”.
Além disso, o grupo comparou esses resultados com os dados, publicados anteriormente, obtidos em estudos semelhantes feitos por outros times de cientistas, na maioria nos Estados Unidos, e observaram que a expressão desse conjunto de genes tem estado consistentemente presente de modo desregulado nos neurônios de pacientes autistas. Sejam os produzidos em laboratório ou neurônios do cérebro de pacientes falecidos doados para pesquisa.
“É Interessante também ressaltar que os neurônios produzidos em laboratório são muito mais parecidos com os de cérebro fetal do que os de cérebro adulto, o que demonstra que as alterações relacionadas ao autismo já estão presentes mesmo durante o período gestacional”, explica Dra. Maria Rita Passos-Bueno, professora da USP, coautora do estudo.
Esses resultados sugerem que a análise do funcionamento desses genes em neurônios de pacientes produzidos em laboratório poderia servir como ferramenta para o diagnóstico de autismo. Mas, para que isso possa de fato se tornar um exame diagnóstico, ainda é necessário que se valide tal resultado em amostras maiores de pacientes e principalmente que se consiga reduzir o tempo, cerca de quatro meses, e o custo do processo, que ainda é muito alto.
Apesar dessas barreiras, as conclusões preliminares dessa investigação abrem perspectiva para o desenvolvimento de uma ferramenta diagnóstica que poderia ser usada até mesmo aos primeiros sinais clínicos, permitindo a realização de intervenções terapêuticas desde o início do desenvolvimento da criança. “Isso para o autismo já se mostrou ser de fundamental importância para um melhor prognóstico do paciente”, finaliza a Bióloga.
Ainda na opinião da pesquisadora, os próximos passos que a equipe de estudiosos gostaria de investir seriam encontrar protocolos mais rápidos para a produção de neurônios em laboratórios e verificar se essa é uma alteração (presença expressiva de um grupo de genes) exclusiva dos autistas.