Ciência e Vida

Quanto custa tratar um paciente internado em um hospital público?

​Com dados inéditos e metodologia inovadora, tese de doutorado do médico José Luiz Bonamigo Filho cria modelo analítico que aperfeiçoa a gestão hospitalar.

​No início de julho, com a defesa da tese “Estudo de Custos e Desfechos de Pacientes Clínicos Internados em um Hospital Municipal da Cidade de São Paulo”, o médico José Luiz Bonamigo Filho conquistou o título de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Einstein​. Por sua vez, os gestores de saúde, pesquisadores e outros profissionais da área ganharam não apenas um inovador trabalho acadêmico repleto de dados científicos inéditos, mas também um poderoso instrumento que os ajudará a calcular com precisão quanto custa tratar um paciente internado em um hospital.

O Dr. Bonamigo reuniu pela primeira vez dados que correlacionam os custos e os desfechos de internações clínicas de um hospital público de alta complexidade. Isso significou estudar em detalhe, por exemplo, qual o valor despedido no tratamento de um paciente internado com pneumonia ou com insuficiência cardíaca.

Em seu estudo*, ele coletou e analisou 90 megabytes de informações relacionadas às internações de todos os 787 pacientes tratados no Hospital Municipal Vila Santa Catarina entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2017. Para dar conta desse volume de dados, o pesquisador usou um modelo de análise criado a partir da unificação de quatro diferentes bancos de dados, que combinou em um único sistema informações financeiras, clínicas e administrativas a fim de produzir um eficiente mapa dos custos. Testado e aperfeiçoado ao longo da tese, esse modelo foi desenvolvido com o apoio de profissionais de TI e gestores de saúde.

Passível de ser replicada e customizada por outras instituições de saúde, essa ferramenta de análise permite saber exatamente o valor gasto com medicamentos, insumos e materiais ao longo do tratamento. Identificando fatores de risco para mortalidade e internações de alto custo, o estudo agrega ainda dados relacionados à ocorrência de adventos adversos, como uma queda do paciente ou erro na administração de medicamento. São informações que ajudam a explicar tempos prolongados de internações.

Com o suporte desse novo modelo analítico, o estudo trouxe dados relevantes, como o custo médio dos pacientes clínicos internados no Hospital Municipal Vila Santa Catarina: R$ 12.629. O desvio padrão identificado foi de R$ 19.973. O custo médio dos pacientes internados sem ocorrência de eventos adversos cai para R$ 8.228. Do total de pacientes internados no período estudado, 40,15% (316) utilizaram UTI e 11,31% (89), os serviços do centro cirúrgico. O tempo médio de permanência foi de 13,2 dias.

Como o trabalho foi feito

Tornando seu trabalho único, o Dr. Bonamigo optou por analisar os custos hospitalares por grupos de pacientes segundo dados demográficos (idade, gênero, etnia, etc.) e por categoria de doenças. Essa escolha metodológica conferiu mais precisão à análise.

“Em geral, os custos individualizados por paciente não são apurados, nem são levados em consideração doenças específicas e ciclos completos de tratamento. As poucas análises existentes contabilizam custos por departamento, embutindo desvios e limitações nos estudos”, afirma o Dr. Bonamigo, que é médico do Pronto Socorro do Hospital Israelita Albert Einstein, dá aula de Semiologia na Graduação em Medicina e é supervisor das Residências Médicas em Clínica Médica e Emergência da Instituição.

Sua tese também se diferenciou de outros estudos que tentaram apurar custos por paciente por inferências e estimativas de custos.  “Cem por cento do que apuramos no nosso trabalho é o que foi gasto no tratamento do paciente, incluindo o rateio dos custos indiretos, como o salário da diretoria do hospital”, ressalta o Dr. Bonamigo.

A importância de seu trabalho acadêmico fica ainda mais evidente à luz de um dado preocupante no setor da saúde do Brasil: os hospitais públicos, que atendem quase 80% da população brasileira, funcionam praticamente sem sistemas de apuração de custos. Uma das referências bibliográficas da tese do Dr. Bonamigo ajuda a perceber a profundidade do problema: sete de nove hospitais universitários federais auditados pelo Tribunal de Contas da União não contavam com nenhum sistema de apuração de custos. Dois dispunham de sistemas, mas eram inoperantes por falta de infraestrutura para fazê-los funcionar. “Vale lembrar que hospitais universitários são a elite dos hospitais públicos do Brasil”, observa o Dr. Bonamigo.

Ele destaca, ainda, outro elemento que reforça a pertinência dos seus esforços acadêmicos. “Frequentemente, os custos dos tratamentos que temos à disposição são os divulgados pelas fontes pagadoras. Muitas vezes, essas informações não traduzem o real custo aplicado pelo prestador do serviço de saúde”, afirma. Isso ajuda a explicar, por exemplo, os rombos crônicos no caixa dos hospitais filantrópicos, como das Santas Casas, cujos serviços prestados são pagos pelo SUS a partir da defasada tabela do SUS. Esta, aliás, às vezes é usada como fonte de consulta de estudos que acabam por incorporar estas distorções de custos.

Com a palavra, o orientador

Orientador da tese, o Dr. Eliezer Silva considera que, dada a completude dos dados da pesquisa, é possível usá-la de forma extraordinária para melhorar a gestão dos hospitais. “Entender a lógica da relação entre custo e desfechos clínicos, seja num hospital público ou privado, é fundamental para identificar oportunidades de melhoria na gestão dos recursos. Os gestores do Ministério da Saúde, por exemplo, podem usar esse modelo analítico para planejar a abertura de novos hospitais e organizar sua dotação orçamentária”, afirma o Dr. Eliezer. “Se quisermos efetivamente ter eficiência em gestão da saúde, o primeiro passo é saber quanto custa”, completa o Dr. Bonamigo, que já está trabalhando para desdobrar os achados da sua tese e publicá-los na forma de artigos.

*A tese do Dr. Bonamigo é parte de um projeto maior desenvolvido no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).​

 

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