Jovem com deficiência visual aprimora percepção auditiva e é aprovada no vestibular
Edina Rodriguês de Lira estudou em cursinho social criado por alunos do Einstein e agora cursa Psicologia com bolsa integral.
Para se deslocar da sua casa, no bairro Jardim São Carlos, zona sul de São Paulo, até a região central da cidade, Edina Rodriguês de Lira demora aproximadamente uma hora e 40 minutos. “Alguém me leva até o ponto de ônibus e de lá eu sigo o restante do caminho sozinha”, conta. “Além de ônibus, utilizo também o metrô e faço alguns trechos andando”, acrescenta.
A jovem de 19 anos de idade nasceu com distrofias de cones e bastonetes – um problema hereditário que causa a deterioração progressiva da visão. Na primeira década de vida, ela lembra que conseguia enxergar melhor, mas com o passar dos anos foi perdendo esse sentido.
Segundo Edina, o mesmo trajeto da sua casa até o centro da cidade pode ser feito de forma mais rápida por uma pessoa sem deficiência visual, já que ela não dependeria dos recursos de acessibilidade. Mas, para ela, cada passo requer mais tempo e cuidado. “Nas ruas, principalmente na região onde moro, a acessibilidade é bem precária e no metrô várias pessoas ficam paradas no piso tátil. A todo momento tenho que parar e pedir licença”, conta.
Atenção em dobro
Desde criança, Edina aprendeu a ter cautela. Concentração passou a ser regra no seu dia a dia. Além de cuidados extras para se locomover, ela desenvolveu um tipo de atenção especial para aprender. “Na sala de aula, foco bastante na audição e hoje percebo que memorizo as informações que ouço com mais facilidade do que minhas colegas”, compara.
Tal característica contribuiu para que ela se tornasse uma boa aluna. Ao terminar o Ensino Fundamental I em uma escola pública, ganhou bolsa de estudos integral numa escola da zona sul de São Paulo, onde cursou o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio, e passou a sonhar com a possibilidade de cursar o Ensino Superior. “Já pensava em fazer faculdade, mas tinha alguns receios e sabia que não conseguiria pagar”, revela.
Por indicação de uma amiga, porém, ficou sabendo da existência do cursinho Quantum – uma iniciativa social criada por alunos de Medicina e Enfermagem da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein com o propósito de ajudar pessoas de baixa renda a ingressar no ensino superior. Edina entrou então em contato com a direção do Quantum, expôs suas limitações visuais e obteve suporte para participar do processo seletivo. “No dia da prova, uma pessoa leu as questões para mim e eu respondi”, recorda.
A jovem passou na seleção e ganhou uma ajuda financeira para pagar, via aplicativo de transporte particular de passageiros, seu deslocamento diário até o cursinho. “Sem esse auxílio, dificilmente eu teria conseguido acompanhar as aulas”, agradece.
Mais um sonho realizado
Edina se preparou para o vestibular no cursinho Quantum ao longo de 2017. Além do apoio dos professores e colegas de sala, ela fez bastante uso da tecnologia para estudar. “Utilizo um programa de conversão de texto em áudio para ouvir o conteúdo apresentado em linguagem escrita na tela do computador, no celular ou nos slides das aulas”, descreve.
Em dúvida se deveria cursar Administração ou Psicologia, ela lembra que optou pela segunda, pois já estava tendo contato com a profissão. Edina explica que, para ampliar sua consciência sobre um processo de mudança que precisaria passar, ou seja, a transição de um ambiente conhecido no colégio para uma nova vida na faculdade, começou a fazer sessões de psicoterapia. “Essa mudança estava me gerando muita ansiedade, pois não sabia como seria esse novo ambiente, como seria recebida, como seria andar sozinha pela cidade”, explica.
Mais uma vez, porém, seu esforço valeu a pena. Edina foi aprovada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com bolsa de estudos integral. Atualmente no segundo semestre de Psicologia, ela afirma que se sente realizada e feliz com a escolha. “Era realmente o que eu gostaria de estudar e trabalhar”, avalia.
A futura psicóloga já planeja atender em consultório, fazendo intervenção clínica, e acredita que sua habilidade de audição pode se tornar um diferencial na profissão. “Acho que tenho uma boa capacidade de escutar as pessoas. Pelos tons das falas delas, consigo perceber se estão seguras ou inseguras, por exemplo. E como a psicologia é uma área em que saber ouvir é essencial, espero poder utilizar esse meu recurso para ajudar muitas pessoas, retribuindo de alguma forma a ajuda que recebi dos professores do Quantum para chegar à faculdade”, diz.